em cartaz
o mercador de veneza
de William Shakespeare
Sinopse
A trama acompanha Antônio, um mercador que contrai uma dívida com o agiota Shylock para ajudar seu amigo Bassânio. Como garantia, Antônio afiança uma libra de sua própria carne. Quando a dívida não é paga, o contrato desencadeia um julgamento dramático, colocando em pauta temas como justiça e preconceito.
Contexto Histórico da Peça e sua Relação com “O Judeu de Malta”
Escrita entre 1596 e 1598, “O Mercador de Veneza”, de William Shakespeare, nasce em um momento de efervescência cultural e de intensas transformações sociais e econômicas na Inglaterra elisabetana. Embora os judeus estivessem oficialmente banidos do país desde 1290, o imaginário popular ainda carregava fortes estereótipos antissemitas, amplamente reforçados pelo teatro e pela literatura da época. Um exemplo claro desse imaginário é a peça “O Judeu de Malta”, escrita por Christopher Marlowe por volta de 1590. Nela, o personagem Barabas representa o judeu como uma figura monstruosa: ganancioso, cruel, vingativo — alguém que personifica todos os medos e preconceitos cristãos em relação ao “outro”. A peça de Marlowe não oferece nuances nem qualquer abertura para empatia: o judeu é o vilão absoluto, cuja destruição final é celebrada como um triunfo moral. É justamente nesse contexto que “O Mercador de Veneza” surge como um contraponto claro ao antissemitismo radical de Marlowe. A abordagem de Shylok, o judeu do espetáculo Shakespereano é significativamente mais ambígua e complexa. Shylock não é apenas o vilão de uma comédia moral; ele é um personagem com motivações compreensíveis, que expressa dor, humilhação e o desejo de justiça. Sua famosa fala — “Se nos espetarem, não sangramos?” — é um apelo direto à humanidade comum entre judeus e cristãos, algo impensável em “O Judeu de Malta”.
Se Marlowe reforça e amplifica o preconceito, Shakespeare tensiona e questiona. Ele insere o espectador diante de um dilema ético: até que ponto o ódio de Shylock é fruto de sua natureza ou da opressão que sofreu? Ao fazer isso, a peça de Shakespeare não nega os preconceitos de sua época, mas oferece um espaço para reflexão — e talvez até para compaixão. Assim, “O Mercador de Veneza” pode ser lido como uma resposta à brutalidade caricatural de “O Judeu de Malta”. Shakespeare não absolve seu personagem judeu, mas o humaniza. E, nesse gesto, ele abre uma fissura no discurso antijudaico dominante de sua época, oferecendo uma peça que resiste à simples classificação de “comédia” ou “tragédia”, e que continua a provocar debates até hoje.
Por que encenar Shakespeare hoje?
Lidar com os desafios shakesperianos é abrir espaço para o risco, para a escuta do tempo presente, para o confronto com o que somos — e com o que podemos ser. É expandir o entendimento sobre a vida: as relações humanas em sua complexidade e contradições. Tudo está ali. Vilões e heróis se confundem nas máscaras sociais. Shakespeare permanece vivo pela teatralidade vibrante que suas obras oferecem. Assim, mergulhei no mar e na ventania de O Mercador de Veneza. Estar à frente da direção me possibilitou criar um universo contemporâneo. A história, escrita no contexto do capitalismo emergente do século XVI, foi transportada para os anos 1990 — década marcada pela aceleração da globalização e pelo surgimento de uma nova ordem mundial. Estabelecemos a Bolsa de Valores como espaço central, implantando a atmosfera das negociações financeiras do tempo presente e o dinheiro como motor principal das relações. Durante os ensaios, os paralelos com a proposta foram se delineando, e diversas ideias surgiram ao longo do processo de investigação cênica. Nos deparamos com a fronteira entre dois mundos — Veneza e Belmonte — e ampliamos esse olhar para outras dualidades: ator e personagem, masculino e feminino, bem e mal, judeu e cristão, capitalismo e mercantilismo, tradição e modernidade, analógico e digital. Convido o público a atravessar essas fronteiras, mergulhando no jogo de espelhos onde nada é exatamente o que parece. A obra, atravessada por tensões religiosas e preconceitos, nos confronta com questões sobre intolerância, identidade e justiça — tão atuais quanto no tempo em que foi escrita: “O mundo muito engana na aparência.” Que cada cena instigue emoções, que cada escolha desperte reflexões, que cada fala inspire diálogos, e que o teatro potencialize o olhar às sutilezas (por vezes veladas) do mundo. É na diferença que floresce o que temos de mais humano.
Daniela Stirbulov Direção
ENFIM, O SILÊNCIO
A clássica máxima do teatro diz que William Shakespeare, por ser um dramaturgo do seu próprio tempo, é atemporal. O que significa que, ao olhar para questões que rondavam não apenas a sociedade política de sua época, mas principalmente a natureza humana daqueles com quem convivia, o bardo lançava um olhar para além, para o futuro. É essa a natureza humana que entra sempre em jogo em todas as peças do bardo e que aqui buscamos preservar. É impossível montar “O Mercador de Veneza” sem se dar conta dos conflitos entre Israel e Gaza e, mais importante, os conflitos entre o Hamas e Israel, e entre Israel e seu primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que, de tão impopular, viu na guerra a chance de se manter no poder. Mas o que tem a ver a história de um mercador, um judeu e uma dívida com as guerras do mundo contemporâneo? Ora, tudo. E nada! Não é meu dever explicar o que diz a obra e como ela se relaciona com o tempo presente. É da plateia. O público é quem deve decidir como se relacionar com esta história e, à luz do contexto geopolítico e de sua própria visão de mundo tirar uma conclusão. Mesmo que seja conclusão nenhuma. A nós cabe lhes oferecer uma história adaptada para caber na contemporaneidade, não com gírias e relações frágeis com o hoje, mas com uma métrica, um verso e uma dinâmica dramatúrgica que permita ao público a plena compreensão do que está sendo dito e do que está sendo discutido. E essa discussão é um convite não para entender Shakespeare, mas para dialogar com sua obra. Sem diálogo não há a formação de ideias. E sem as ideias, o resto é o silêncio.
Bruno Cavalcanti Tradução, adaptação e assistência de direção
Ficha Técnica
Texto: William Shakespeare Direção: Daniela Stirbulov Tradução, adaptação e assistência de direção: Bruno Cavalcanti Elenco: Dan Stulbach, Augusto Pompeo, Amaurih Oliveira, Cesar Baccan, Gabriela Westphal, Júnior Cabral, Marcelo Diaz, Marcelo Ullmann, Marisol Marcondes, Rebeca Oliveira, Renato Caldas e Thiago Sak
Cenografia: Carmem Guerra
Cenotécnico: Douglas Caldas
Desenho de luz: Wagner Pinto e Gabriel Greghi
Figurino e visagismo: Allan Ferc
Assistente de figurino: Denise Evangelista
Peruqueiros: Dhiego Durso e Raquel Reis
Direção de movimento: Marisol Marcondes
Aderecista: Rebeca Oliveira
Baterista: Caroline Calê e Bruno Brunaykovics
Consultoria sobre Shakespeare: Ricardo Cardoso
Vídeo e imagem: André Voulgaris
Fotos: Ronaldo Gutierrez
Designer gráfico: Rafael Oliveira Branco
Assessoria de Imprensa: Adriana Balsanelli e Renato Fernandes
Operação de luz: Jorge Leal
Operação de som: Eder Sousa
Motorista: Cosme Araújo
Assistente de produção: Amanda Nolleto
Produção executiva: Raquel Murano
Direção de produção: Cesar Baccan e Marcelo Ullmann
Produção: Baccan Produções e Kavaná Produções
Agradecimentos: Apsen Farmacêutica, Artepaper, Caixa Cultural, Ipsis Gráfica e Editora, Teatro Estúdio e SESC









